Bodyspace (PT)
Ajuda à relativização da mensagem que possa veicular For Myria tudo aquilo que o afasta de um forma regular própria de objecto de série. Contribui para isso o facto de For Myria ser um disco até certo ponto incomodativo na destabilização e fragmentação microscópica do que poderia ser uma unidade sólida: à superfície dos seus exercícios, é frequente encontrar, como espuma em desintegração, tudo o que laptop possa manipular virando do avesso sons captados à fricção (parece) de pedras, metais vários e fiel recordings. Responsabilize-se por tudo isso o clarinetista Jodi Cave que, por altura de um segundo disco que o promove ao catálogo da 12k, vai já merecendo lugar entre os estetas discretos que deixam presos pelo anzol todos os que desenvolvem atracção pela sua produção sem saber expressar exactamente porquê.
Jodi Cave nem parece particularmente preocupado em responder aos “porquês”, que também brotam da insinuação elegíaca presente no título do álbum e faixas. Sem deixar de soar ao resultado de um labor cumprido em alegria, For Myria faz-se de batalhas amigáveis organizadas em forma de sobreposições sempre sujeitas a um volte-face interno, que garanta prolongamento isolado às manifestações da acústica efervescente ou então aos mais melódicos jogos tonais, após embate em rondas de 3 a 4 minutos. Quando o resultado entre esses pólos é o empate, entram em cena os mais neutros drones e a esterilidade fria de outros sons contínuos que, caso se aproximassem mais do letal rigor técnico da sine wave, poderiam mesmo ser confundidos com os habitualmente produzidos pelos terroristas Pan Sonic.
Rigor e terrorismo não combinam bem debaixo do turbante de Jodi Cave que só coloca travão na carga física da sua música por altura de um mais automatizado “Untitled”, uma espécie de ensaio enigmático sobre o contacto directo entre as goteiras e a base que as recebe (representada pelo tal som continuo). Como essa, as restantes peças de For Myria assemelham-se a raras orquídeas cuja apanha em condições ideais só ocorre em dada estação do ano. É disco para manter por perto na esperança de que desabroche um pouco mais. – Miguel Arsénio