Bodyspace (PT)
O problema das amálgamas costuma ser o mesmo que afecta e torna disfuncional o ornitorrinco, aquele animal associado à fauna australiana que tem bico de pato, membranas e o pêlo semelhante ao de um castor. O ornitorrinco parece-se a uma série de animais diferentes, mas vive ameaçado pela extinção a que o remeteu uma natureza pouco apta à sobrevivência. Destinada a ver-se multiplicada a uma velocidade imparável encontra-se a actual geração de músicos japoneses balanceados para a produção de discretos discos electro-acústicos que maravilham mais vezes do que fracassam (a comprová-lo, a label Noble vem ultimamente a obter resultados extremados). Drape revela-nos o desabrochar criativo de Sanae Yamasaki sob o aliás Moskitoo, sem que isso acrescente muito ao género que, esforçadamente e com maior proximidade da electrónica bruta, ainda vai dominando Tujiko Noriko.
Mas nem sequer serve a muitas comparações óbvias uma Tujiko Noriko que é figura internacional da renovada Mego e que, mesmo assim, muito terá influenciado o modo como vão sendo soterrados por arenosas porções digitais e beats entrecortados os sussurros e segredos vocalizados por Yamasaki em “Tip Top Blues”. Muito mais flagrante é realmente a proximidade que mantém Moskitoo e, consequentemente, Drape das estéticas arquitectadas por Taylor Deupree na 12k, quase sempre usufruidora de minimalismos para a formação de mosaicos bem mais amplos que as partes ínfimas agrupadas, e na Happy que reserva à revitalização de discos mais assumidamente pop oriundos do Japão. Enquanto mecenas zeloso de obter um dois em um elaborado à imagem das labels que orienta (e a que se acrescenta uma terceira L-ne), Taylor Deupree sai bem sucedido com a orientação e masterização oferecida a Drape que é claramente obra de protegido.
Sem deixar de parecer natural no rumo que assume, Drape atraca, em grande parte do tempo que lhe é reservado, o seu potencial a ideias de frescura esbatida e apontamentos que melhor aproveitamento conheceriam se fossem canções de corpo inteiro. Já existe, contudo, um disco que determinou a fasquia para os restantes apostados em trabalhar o detalhe da delico-doce pop japonesa: Ephemeral que aveludou magnificamente Piana, integrante do catálogo Happy. Curiosamente, o sentimento que predomina em Drape é comparável ao que se escutava ao bem sucedido single de Four Tet, No Mosquitoes – voz pueril suplica por um ingénuo conforto infantil sob a ameaça rodopiante de um turbilhão de electrónica muito mais sofisticada e madura que a de que é capaz uma criança. – Miguel Arsénio