Bodyspace (PT)
Tardará a assentar a poeira que vai impedindo de estabelecer uma noção absoluta do puzzle exploratório que Taylor Deupree forma em torno da estática enquanto dogma questionável. Isto porque a chegada de Northern faz com que se pareçam cada vez mais curtos os intervalos entre discos merecedores de uma eternidade suficiente ao cumprimento de uma anatomia esquemática. Um processo de estudo que submeta a uma observação clínica o período áureo de um minimalismo personalizado que teve início com o basilar Stil. (que, apesar de não cumprir a condição de debute, é o ponto de partida para uma fase de maturidade e precisão conceptual que se mantém desde aí). Deupree pontuava o título do disco como se lhe desejasse incutir um simbolismo conclusivo. Paradoxalmente, persistiu, a partir daí, em manter uma regularidade bianual que ora rumava às colaborações de teor ocasional – caso das parcerias com Christopher Willits – ou regressava à consolidação do estudo de quietude que tem em January ou Every Still Day verdadeiros tratados (sendo que o segundo se debruçava sobre material dos obscuros Eisi). Vale a linearidade à esperança de, a partir da escuta isolada e entrecruzamento entre capítulos, obter a quantidade mínima de silogismos que despertem os sentidos até novas divisões de um jardim de minimalismos subespontâneos. Northern, desde já, antecipa-se ao andamento das estações – aproveita o seu motivo de transição para assinalar os detalhes ao limbo entre o Outono e o Inverno.
Apesar de passar despercebido aos primeiros contactos de grau superficial, Northern expõe sobremaneira o momento actual da vida e percurso musical de Taylor Deupree. Ele que, para a sua gravação, aproveitou os sinais de mudança que lhe foi oferecendo um primeiro Inverno vivido com a família bem longe de uma Brooklyn insone – mais concretamente na parcialmente florestal zona norte do estado de Nova Iorque. Longe vão os tempos mais ácidos integrado no colectivo Prototype 909. A bússola que agora aponta para Norte é a mesma que oferece a sua extremidade mais pontiaguda a uma clarividência alcançada através de uma vigia dormente – considerável parte do disco que edita a 12k avança como que a partir de um motor escassamente oxigenado (e daí lento), mas absolutamente esclarecido na medição dos tentáculos tonais que avançam sobre os seis movimentos como as antenas de um caracol que percorre vegetação espinhada. Daí que o enlace de “November” tarde a assumir-se, retraindo-se em dilema o fragmentado piano eléctrico que não encontra meio de se decidir pela aura da harmonia ou pela tal estática de autor que define o empreendimento de Deupree. Em “November”, tal como na faixa-tema Northern, escutam-se lamentos de um projectado Yeti sentimental que dificilmente convocará a imprensa para confessar a sua predilecção pela conjugação de elementos ao ritmo paciente do ponto-cruz.
Atendendo aos acrescentos que Northen transporta até à discografia existente, torna-se lógico acreditar que terá sido a permuta de residência a descobrir à camada subcutânea de Deupree tudo aquilo que ofuscava a radiância viajada e paternal de January ou ainda amadurecia por altura da segunda génese que é Stil.. Nota-se, sobretudo, uma maior permissividade concedida aos sons contínuos que antes circulavam entrelaçados entre picotados glitch e agora já trepam até ao ponto cimeiro da auto-suficiência. E é absolutamente deslumbrante dar conta de como Taylor Deupree aplica a vocação de arquitecto de invisibilidade ao engendrar de uma sonda que, a partir de um abrigo, capte todos os ínfimos fenómenos ocorridos na sua periferia. Mais que nunca, todos aqueles detritos que expurga a electrónica essencialmente veicular trocam de lugar com as labaredas na lareira. Sem aparente vontade de abrir mão da eternidade hibernal em que se encontra inerte, o sistema interno Northen oferece generosamente todo o calor necessário à passagem das estações dominadas pelas temperaturas mínimas. – Miguel Arsénio